quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Dorme, neguinho

Dorme, neguinho
que eu te sopro um beijo embalado
pelo luar.

Dorme, que é tão doce te olhar
sem saber aonde fica tua dor.
Sonha que tá tarde
então não deu pra ir pro trabalho
e hoje vai ter que ficar.

Dorme, neguinho
enquanto isso eu imagino
onde fica
dentro de você
a beleza que transparece
quando você transpira em mim

Dorme e mostra
a sua paz
A serenidade dos que navegam
e sabem ser infindável
o mar que veem
de dentro do barco.

Dorme, neguinho
e enquanto isso me pergunto
Será você
um guerreiro com carcaça de garoto
ou um garoto brincando de guerreiro?

Dorme
porque tu é abusado
e tem que repor as energias da labuta.

Dorme, neguinho,
mas deix'eu dormir também.
Não me espanta da cama,
que dá azar.

Dorme tranquilo, neguinho:
Aqui ninguém
pede pra casar.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Mundútero

Quanto tempo precisa passar
até a falta de ar
começar a te matar?
Quantos segundos no exílio de você mesmo
você vive
tentando se enganar,
dizendo:
'eu sou um cara maneiro',
se amando no espelho?

O que é que você sente
quando não tem mais espelho pra se olhar
iludido – porque a realidade já quebrou todos eles?
Será que você continua procurando num lago,
num vidro de carro,
seu reflexo vago?
E quando chega numa poça,
na qual você só se vê todo enlameado?
Será que você ainda se acha bonito,
como dizia aquela moça ao som de um chico,
ou será que te fica um buraco
- aquele mesmo que já te vi tentando preencher
de consumos desvairados,
só pra ver se o que tem de errado
é você ainda não ter tudo
que cabe num avião importado?

A receita -
com o remédio que traz a cura,
ou a medida exata dos ingredientes que compõem o bolo perfeito -
nós engolimos aquele dia há muitos dias atrás,
ainda no mundútero materno
antes de vir presse mundo filho-da-puta.
E aqui é assim:
cada um buscando se preencher,
de juras de curas,
de remédios e bolos.
Não vê o homem infeliz
que a vida é mesmo essa loucura
revestida do sofrimento histérico
de ser incapaz de olhar pro mundo
e pra dentro de si mesmo.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Grito poético

Tudo que começo em prosa
Termina
em
Poesia.

Cacos (inexprimível milésimo de dor)

E eu às vezes nem sei o que fazer com este buraco,
Se mergulho nele pode ser que não saia mais,
sem súplica ou ações,
como num sono adormecido de noites indormíveis.
Há que diga “a vida continua, não seja fraco!”
Ao que eu só posso responder
,e foi ele quem ensinou,
que as delícias do caminho se tornam indizíveis
pra quem é filho da pressa e escravo do relógio.

Buraco preto, pela dor,
mas de todas as cores,
Porque é assim que eu lembro dele.
E as palavras de desabafo se tornaram pequenas,
miúdas moídas letrinhas
que juntas só formam cacos apenas maiores.

Grandes cacos esmagadores.

Então fico com o peso que é
carregar a ausência de seu corpo,
daquele que sempre foi mais alma do que os outros.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Crença popular

Já virei a blusa do avesso,
Avistei cometa,
Rezei um terço

Dei três beijinhos no relógio,
Esquivei a escada e o gato preto

Mas cadê você, hein?
Será que hoje não vem?
‘Cê é maluco, eu já sabia.
Pois bem,
Ai tem...

Acendi vela, incenso e defumador,
Dar uma geral no ambiente
Fechar o corpo,
Abrir a mente

E na ansiedade
De te encontrar
(Olha essa!)
Me tornei até adepta
De qualquer crença
Popular.

Amanhã já sou beata
Budista
Umbandista
E turista

Passeando no mesmo lugar
Pra ver se esbarro com você,
Seu vigarista!

Intercalo a busca obcecada,
Com a raiva descompassada
(E a faca na mão).
Ah se eu te pegar...
Te beijar ou te torturar?

Nessas horas também te xingo
Destilando veneno,
Sonhando com a cor do teu caixão
Depois de te matar.

Exausta de drama
Mergulho na cama
Acendo um cigarro
Que é pra fumar a dor,
E deixar só o amor.
Mas tô puta,
Acho que fumei o amor
E ficou só dor.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Irmã lua

Penso que sou como a lua
Pois desço em sofrimento
Minguando devagarzinho
Me consumindo em luz do fim,

Até que de tanto doer
Vazia fico
E passo por ai
Sem muito querer saber,
Sem muito dizer a favor de viver.
Só uma presença ausente
Que vagueia tranqüila
Quase pedindo para não se fazer notar.

E é quando menos espera
Aquele olhar distraído pro céu,
Que eu volto tímida,
Porém nítida
Nova a florescer em fatias de luz.

À medida que o amor se infiltra
Em delirantes espirais de devaneio
Me faço aberta a respirar cada detalhe ínfimo,
Enchendo meus pulmões,
Revelando meu íntimo,
Brilhante até nas minhas últimas sombras e curvas,
antes ocultas.

Pois só é possível,
Para mim,
Que a lua e eu
Sejamos irmãs de universo,
feitas do mesmo éter:
Amor e alma,
Rubor e cama,
Dor e calma.

Preferida

E deixe que tudo flua
Pra fora deste quarto de apartamento
Que a gaveta se abra ao som do vento
Pôr um fim à claustrofobia do cotidiano
Cair na folia,
Viver o profano.

Pois quem poderá queixar-se do que é bom?
Apenas quando o limite se instala
E assim estraga
A liberdade sem tom.

Não existe prazer que cause tanto mal alheio
A não ser a pura inveja de que não tem coragem
De embarcar nesta viagem

Saudar os velhos costumes
e sair pela porta sem avisar
Deixar algum bilhetinho azul
Num canto do armário
caso decida alguém também viajar.

Esquecer-se do tema
Parir um poema
Fazer o resto da cena.